Falando sobre tudo

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domingo, 11 de dezembro de 2011

Sexo entre Presidiárias

O comportamento sexual de presidiárias

O comportamento sexual das presas da Casa de Detenção Feminina do Tatuapé, em São Paulo.

"Eu sempre gostei de mulher” 
FABIANA TEODOZO – (À esquerda) 22 anos, condenada há três anos e oito meses por tráfico de drogas.

"Não é como homem, mas é quase igual"
M. M. 28 anos, condenada há cinco anos por tráfico de drogas.

No final de janeiro, Haidê Ribeiro, diretora de segurança e disciplina da Casa de Detenção Feminina do Tatuapé, em São Paulo, entrou no térreo do pavilhão 2, que abriga uma oficina de pregadores de roupa. Mais de 50 mulheres montavam as peças coloridas, mas a atenção de Haidê se voltou para duas que ocupavam uma mesa lateral. "Mas vocês deram um jeito de ficar juntas?", perguntou a diretora. "Estamos nos comportando", respondeu, com um sorriso maroto, Fabiana Teodozo, 22 anos, condenada a três anos e oito meses de cadeia por tráfico de drogas. Sentada em frente à Fabiana, M.M., 28 anos, sentenciada a cinco anos de prisão pelo mesmo tipo de crime, simulou estar concentrada no movimento da chave de fenda que unia partes de um pregador alaranjado. Fabiana e M.M. são namoradas há sete meses. Elas viviam na mesma cela, junto com outras três detentas. Cinco dias antes do flagrante na oficina de trabalho, haviam sido separadas de cela e de pavilhão. Para continuar se encontrando, as duas se inscreveram para trabalhar na mesma oficina. "É melhor só ver sua paixão do que não fazer nada", diz Fabiana.

Pela primeira vez no Brasil, a sexualidade de mulheres como Fabiana e M.M. foi tema de uma pesquisa, realizada pelo Coletivo de Feministas Lésbicas de São Paulo, uma organização não-governamental, com o apoio do Ministério da Saúde. O trabalho revela que 39% das presas do Tatuapé estão sexualmente ativas, 20% delas através de práticas solitárias, enquanto 18% têm uma parceira constante e 1% se relaciona com mais de uma mulher. Das que estão em atividade sexual, 27% sentem orgasmo sempre. Para garantir a execução de um levantamento tão íntimo, três integrantes do Coletivo passaram quatro meses aplicando dinâmicas de grupo, como palestras e oficinas de dança, para ganhar a confiança das mulheres. Mesmo assim, ao aplicar o questionário, que não identificava as entrevistadas, distribuíram blocos de carta e canetas coloridas. O artifício, usado para motivar as presas, deu certo. O questionário, de 78 perguntas, foi respondido por 80%. Delas, 20% responderam que atualmente só sentem atração por outras mulheres e outros 19% garantiram se sentirem atraídas tanto por pessoas do mesmo sexo quanto por homens. Dependendo do tempo que estão encarceradas, muitas mudam até o curso de suas fantasias. Entre as mulheres com até um ano de cadeia, 80% declaram que, se pudessem escolher, só fariam amor com homens. O índice cai para 48% entre aquelas que estão há mais de quatro anos atrás das grades. A média fica em 58%. "Um grande número delas é lésbica circunstancialmente", afirma Marisa Fernandes, que coordenou o trabalho. "Como não podem se relacionar com seus maridos ou namorados, acabam se envolvendo com quem está acessível.”

“Quando brincava de casinha, eu era o papai”
SUELI SANTOS 34 anos, condenada há 11 anos por diversos assaltos. Na foto, com a namorada (À direita)

Como nas outras três penitenciárias femininas paulistas, nenhuma presa do Tatuapé pode receber visita íntima, ao contrário dos homens condenados no Estado, que têm direito a receber suas parceiras fixas. Na esteira de uma resolução divulgada em fevereiro do ano passado pela Secretaria da Administração Penitenciária, esse direito deverá ser estendido às mulheres ainda em 1997. Enquanto o governo tenta criar condições para colocar em prática a resolução, cenas explícitas de amor entre mulheres fazem parte do cotidiano do Tatuapé. Elas costumam acontecer no interior de muitas das suas 99 celas, onde as presas permanecem trancadas entre as 10h da noite e as 7h15 da manhã. Acobertadas pela escuridão e pela ausência das guardas, as namoradas contam ainda com o silêncio das colegas de cela. Foi nesse ambiente que Fabiana, homossexual desde que se entende por gente, se uniu a M.M., que antes dividia sua cama apenas com homens. As duas se conheceram a mais de dois anos, em uma passagem pelo 26º Distrito Policial, na zona sul de São Paulo, mas o namoro só começou em meados do ano passado, no presídio. "Nunca imaginei que chegaria a esse ponto", confidencia M.M. "Não é como homem, mas é quase igual." Sua namorada é portadora do vírus da Aids, adquirido quando injetava drogas na veia, mas o risco de contágio não preocupa M.M., que é soro-negativa. "Eu me cuido", comenta. Na pesquisa realizada pelo Coletivo de Feministas Lésbicas, 11% das presas se declararam portadoras do HIV, enquanto 17% afirmaram jamais ter feito o teste, mais da metade com medo do resultado.

Durante o levantamento, 50% das entrevistadas classificaram o homossexualismo como uma forma de amor similar a qualquer outra. No cotidiano de uma prisão feminina existem, no entanto, nuances até entre as homossexuais. No universo sexual do Tatuapé, as mulheres geralmente se encaixam em cinco categorias: as entendidas, os sapatões, as homossexuais por força das circunstâncias, as heterossexuais e as assexuadas. Naquele presídio, onde 211 das atuais 335 presas têm menos de 30 anos, não faltam representantes para cada opção. Fabiana, por exemplo, se define como entendida, explicando que nesta categoria se enquadram as que gostam de fazer e receber carícias de outra mulher. "Só uma vez tive um desacerto", lembra, referindo-se ao único homem que passou por sua vida. "Eu sempre gostei de mulher, mas nunca me envolvi com sapatão." Na linguagem da cadeia, sapatão é aquela que gosta de mandar, se veste e se comporta como homem, além de não admitir que toquem em seu corpo nem nos momentos mais particulares. Conhecida como Maurício, Sueli Pereira Santos, 34 anos, condenada a 11 anos de detenção por diversos assaltos, assume que não admite intimidades. "Só eu posso fazer", ressalta. Desde criança, era assim. "Quando brincava de casinha, eu era sempre o papai.” 


“Ela dizia: você ainda vai ser minha”
T. R. M. 27 anos, condenada há cinco anos e quatro meses por assalto.

No começo da adolescência, sua mãe pegou-a em pleno jogo sexual com uma das vizinhas, num bairro da periferia de Campinas, no interior paulista. A surra que levou não alterou as preferências de Sueli, que acabou fugindo para uma favela da cidade. Lá, assumiu definitivamente sua faceta Maurício. Ao longo dos anos, apesar de se dedicar cada vez mais ao roubo, Sueli chegou a ter um relacionamento duradouro com uma mulher de classe média alta. Presa há cinco anos no Tatuapé, ela recebia até o princípio de 1996 a visita semanal da namorada dos tempos de liberdade. "Era uma moça elegante, que chegava todos os domingos em um carro esporte", conta uma funcionária da penitenciária. "Ela me bancava do bom e do melhor", lembra à presa. Mas diante da possibilidade de ficar mais de uma década atrás das grades, Sueli dispensou a antiga parceira em troca de outra que estivesse mais próxima. "Fui sincera com a minha Francis", lembra Sueli. "Não ia ficar sem mulher aqui dentro.”

Apesar de ostentar um comportamento masculinizado, Sueli garante que jamais ataca alguém. "Na verdade, elas acabam me procurando", diz. Sua atual namorada, A.M., 24 anos, condenada há cinco anos e quatro meses por assalto, é uma garota alta e esbelta que chamaria a atenção se caminhasse pelas ruas de qualquer cidade. Ela nunca havia ficado com uma mulher antes de Sueli, mas, há quase um ano, comprou um par de alianças para selar a união. "Às vezes, não me reconheço", desconversa. "A gente fica muito carente aqui dentro." Nos últimos três meses, Sueli e A.M. só se encontram casualmente no corredor que dá acesso aos pavilhões da penitenciária. Depois de morarem na mesma cela, foram separadas por conta das brigas que protagonizaram. Agora, esperam a poeira baixar para conseguir de novo o direito de ficarem trancadas no mesmo espaço. "Nos presídios femininos, a maioria das sanções disciplinares ocorre por causa de briga entre homossexuais", diz a diretora-geral do Tatuapé, Maria da Penha Risola Dias, que trabalha no sistema penitenciário paulista há 26 anos.

A historiadora Marisa:"Elas se envolvem com quem está acessível”.

A diretora afirma que não pensa duas vezes antes de separar os casais. "O Estado tem obrigação de zelar pela integridade física e moral das presas", esclarece. No dia-a-dia, no entanto, ela tem mais chances de saber de um eventual envolvimento amoroso quando a relação já descambou para a pancadaria. Quando há lesões, a vítima é despachada para a delegacia mais próxima para que seja registrada a ocorrência. O problema é que ninguém assume que apanhou da namorada. Os cortes e hematomas são, em geral, justificados por quedas fictícias da cama ou de alguma escada. Condenada há cinco anos e quatro meses por assalto, T.R.M., 27 anos, já lançou mão do recurso para justificar um olho roxo. "O amor entre mulheres é mais possessivo", explica. "O que lá fora seria uma simples cena de ciúme, aqui vira um show de violência.”

T.R.M. é uma daquelas presas que assumiram, circunstancialmente, relações homossexuais. Há quase quatro anos, quando chegou ao Tatuapé, passou 15 dias isolada em uma cela de observação, como é a rotina para as novatas. Logo no primeiro dia, uma presa chegou na janelinha da cela. "Ela dizia que eu era linda", lembra. Todos os dias a presa voltava para lhe fazer a corte. "Você ainda vai ser minha", ouviu T.R.M. às vésperas de ser transferida para uma cela comum. "Fiquei morrendo de medo", garante. Quando T.R.M. saiu da solitária, a mesma presa fez-lhe marcação cerrada. Aproveitava cada atividade coletiva - como os jogos esportivos - para se aproximar. Durante um encontro fortuito, em uma escadaria, T.R.M., que é soro-positiva, acabou ganhando um beijo na boca, o primeiro vindo de outra mulher. "Empurrei a menina e saí correndo", conta. "Precisava dar um tempo para minha cabeça." Menos de um mês depois, as duas começaram um caso que durou um ano e dois meses.

"Até eu, que sou velha, já recebi cantada”
ANTÔNIA FERRA 59 anos, condenada a 18 por seqüestro.

Como T.R.M., muitas mulheres compensam a solidão envolvendo-se com pessoas do mesmo sexo quando estão reclusas, mesmo sem ter tido nenhuma experiência do gênero na rua.
Oportunidade é o que não falta. Durante o dia, a maioria das presas se encontra nas dez oficinas instaladas no presídio, onde elas ganham por produção e podem minimizar seu tempo de cadeia. Para três dias de trabalho, diminuem um dia do total de suas penas. Nas oficinas, apesar da vigilância das guardas, há oportunidade para a paquera. "Até eu, que sou velha, já recebi cantada", diz Antonia Juliano Ferra, 59 anos, condenada a 18 anos de prisão por seqüestro. Antonia está entre os 54% de mulheres que registraram na pesquisa não manter atualmente nenhum tipo de atividade sexual. Desde que se mudou de uma delegacia do interior paulista para o Tatuapé, há 14 meses, ela conheceu um mundo diferente, no que diz respeito à sexualidade. Antonia assegura que não tem nada contra. Só ressalta que é muito inconveniente dividir cela com um casal que transe quando todas ainda estão acordadas. Depois de presa por narcotráfico, Diogenia Estigarribia, 44 anos, também mudou sua opinião a respeito do lesbianismo. Antes da cadeia, quando circulava pelos melhores restaurantes e casas noturnas paulistanas, Diogenia ficava constrangida, por exemplo, quando participava de uma roda com um casal feminino. Agora, mesmo se declarando uma heterossexual convicta, Diogenia considera qualquer tipo de amor como normal. "Muitas delas se relacionam melhor do que muitos casais que conheci", compara.

Às segundas-feiras, a teoria de Diogenia costuma cair por terra. A direção do presídio bem que toma cuidado para não estimular a sexualidade das detentas, especialmente no domingo, que é dia de visitas. Logo na entrada, há um cartaz anunciando que pessoas vestindo bermuda, short, minissaia, mini-blusa ou camiseta regata não podem entrar. Mas, na seqüência do dia liberado para visitas, algumas presas se desentendem porque uma das partes do casal recebeu às vistas de todos, o marido ou o namorado. "Segunda-feira é o dia que mais separo brigas", atesta a agente de segurança carcerária Sandra Marquezin, 27 anos, que trabalha no Tatuapé há cinco anos, desde que o complexo, que abrigava menores infratores, foi transformado em presídio para mulheres. Sandra acredita que a situação vai piorar quando colocado em prática o projeto de visitas íntimas nos presídios femininos paulistas. "O tema é, de fato, polêmico", afirma o secretário adjunto da Administração Penitenciária, Cláudio Tucci. "Mas não dá para privilegiar o homem e não possibilitar o mesmo direito à mulher.”

De acordo com a pesquisa feita pelo Coletivo das Feministas Lésbicas, 66% das presas do Tatuapé são a favor da visita íntima, enquanto 17% não aceitam a mudança. Outros 17% não responderam à questão. "Se os direitos fossem iguais, só transaria com mulher aquelas que já nasceram lésbicas", argumenta Marli Durcio Medeiros, 26 anos, casada, condenada a 12 anos de prisão por seqüestro. Para implantar ainda este ano a visita íntima para as detentas, uma equipe da Secretaria de Assuntos Penitenciários está analisando a infra-estrutura dos quatro presídios femininos do Estado, além dos problemas inerentes à medida, como o risco de propagação de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez. "A prisão não deve estimular o homossexualismo pelas circunstâncias", destaca o secretário Tucci. "Em alguns casos, a necessidade fisiológica acaba gerando distorções." Entre as presas que discordam da medida está Renata Pinto dos Santos, 22 anos, homossexual, soro-positiva, condenada a quatro anos e nove meses de prisão por assalto. "Visita íntima não dá certo", diz Renata. "Na cadeia, sai até morte por causa de ciúme."

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